Se o comportamento de birra, agressividade e desrespeito não forem ajustados ainda na infância, na vida adulta será ainda pior, de acordo com a especialista Lilian Zolet
Crianças que mandam em casa, xingam os pais, babás e professores, escolhem o que vão comer e definem todas as escolhas da família: desde o que vai ser visto na televisão até qual é o horário mais adequado para dormir sofrem da “Síndrome do Imperador”. São pequenos “reis” criados sem orientação e limites. Mas o que fazer?
Para Lilian Zolet, psicóloga, psicoterapeuta especialista em terapia Cognitivo-Comportamental e autora do livro “Síndrome do Imperador: Entendendo a Mente das Crianças Mandonas e Autoritárias”, impor limites não é simples e errar nas tentativas é comum.
“Quando os pais não conseguem orientar ou dar limite aos comportamentos inadequados da criança estão na verdade reforçando a atitude errada delas. Com isso, o filho aprende que pode ter tudo o que deseja, no seu tempo e a seu modo, e que as pessoas irão servi-lo, tornando-se um ‘imperador doméstico'”, explica a especialista [...].
Crianças precisam de limites e isso todos os pais sabem. Mas como saber quanto é esse limite? Como saber se foi longe demais ou se falta repreensão?
Primeiro, os pais precisam atentar-se ao tipo de infração que o filho realizou, o contexto da situação e o estágio de desenvolvimento da criança. Quando os progenitores “gritam”, “xingam”, “chantageiam”, “batem” ou diminuem a estima do filho, estão ultrapassando a barreira da orientação e do limite saudável. Os efeitos dessa atitude, quando realizada de maneira frequente, são crianças raivosas, ansiosas e inseguras. Lembremos que as crianças são como “esponjas”, aprendem e modelam seus comportamentos a partir dos exemplos das pessoas que convivem com elas, principalmente dos pais.
E quando os pais não conseguem dar os limites necessários?
Quando os pais aceitam os maus comportamentos ou oferecem algum tipo de recompensa (presentes), eles estão na verdade reforçando a atitude errada da criança. Com isso, o filho aprende que pode ter tudo o que deseja, em seu tempo e a seu modo, e que as pessoas irão servi-lo, tornando-se um “imperador doméstico”. Tais crianças mandam em casa e também nas brincadeiras fazendo com que as demais crianças obedeçam às suas ordens. Elas choram e se atiram no chão, batem a cabeça na parede, jogam os alimentos ou cospem no rosto dos pais e agridem e ameaçam psicologicamente os progenitores quando seus caprichos não são atendidos.
Quais os problemas podem causar ao filho se o pai impor muitos limites?
Quando os pais são excessivamente críticos, rígidos e não conseguem expressar seus sentimentos ou auscultar as emoções do filho, a criança tem a propensão de desenvolver pensamentos autoderrotistas – “ninguém me ama”, “eu sou um estorvo”, “sou inadequado”, “sou um fracasso”, “sou defeituoso”, “nunca vou dar orgulho aos meus pais”. Como consequência, a criança terá acentuados prejuízos na autoestima e nos relacionamentos interpessoais que poderão ser perpetuados na adultidade. O primordial é equilibrar dois fatores: o reconhecimento pelo bom comportamento e a aplicação de limites realistas pelo comportamento indesejado, tudo isso dentro de um ambiente terno e carinhoso.
Quais são os principais erros dos pais na hora de impor limites nas crianças “imperadores”?
Grande parte dos pais comete erros na educação de seus filhos porque reforçam os comportamentos inadequados da criança, muitas vezes de maneira inconsciente, na tentativa de dar proteção e afeto. Um exemplo disso é quando a mãe dá o doce que a criança deseja, enquanto a mesma se joga no chão e chora compulsivamente. O que a criança aprendeu com essa atitude da mãe? “É com escândalo que posso ter tudo o que quero”. Outra situação é quando o filho, considerado travesso, um belo dia, obedece a seus pais prontamente. Por sua vez, os pais falam, “não fez mais que a obrigação” e ficam bravos pelos comportamentos anteriores. O que a criança aprendeu com essa atitude dos pais? “Não adianta me esforçar, eu nunca vou dar orgulho para os meus pais”.
Quando não valorizamos as posturas positivas da criança, ela tende a não repetir os acertos. Quando os pais discutem, brigam e xingam na frente da criança, ela aprende a ter raiva e ansiedade e replica tais impulsos nas relações com os outros. Assim, ela não consegue controlar o desconforto e os impulsos de tais emoções, pelo contrário, a criança aprende a reagir agressivamente.
As crianças “imperadores” são mais comuns em famílias onde são filhos únicos? Ou mesmo em uma família com mais crianças podem existir filhos “imperadores”?
As crianças podem apresentar a síndrome do imperador independentemente de ter ou não irmãos. Esta síndrome é resultado de uma série de fatores, incluindo as mudanças socioculturais da última década que levaram os pais a terem menos tempo para ficar com os filhos e, por isso, ficam mais propensos a aceitar as birras e a superproteger, compensando, assim, a ausência. Outro condicionante é o modelo de educação autoritária na qual os pais foram submetidos, ou seja, ambientes de muita repressão, mágoas e culpa. Para fugir dessa matriz e não a replicar, muitos pais acabam afrouxando as rédeas e tornam-se reféns emocionais dos filhos ao serem lenientes com caprichos e birras deles.
Crianças “imperadores” possuem uma capacidade de empatia reduzida?
Sim. As crianças “imperadores” foram criadas com mais “direitos” do que “deveres”, mais “liberdade” do que “responsabilidade”, e com isso aprenderam que suas necessidades e desejos devem ser atendidos imediatamente. O efeito desta educação são crianças que não sabem lidar com o “não”, possuem baixa tolerância a frustração e não administram as emoções de maneira saudável, reagindo com impulsividade e agressividade com as pessoas.
Quais características são comuns a essas crianças?
De acordo com a experiência clínica, observei que os sintomas da síndrome do imperador podem variar de uma criança a outra, no entanto existe um espectro de comportamentos disfuncionais similares que podem ser mais ou menos intensos, a exemplo:
1) Baixa tolerância à frustração: quando a criança não tem seus desejos atendidos reage com surtos de raiva.
2) Postura mandona: impõe de maneira constante sua vontade.
3) Atenção dobrada: exige olhar especial dos pais ou dos que lhe rodeiam.
4) Baixa interação: possui problemas para se relacionar com outras crianças.
5) Manipulação: quando atendidos os seus caprichos pode tornar-se vulnerável afetivamente (diz para a mãe que ela é uma princesa, pede mais atenção e afeto).
6) Quebra de normas: desrespeita regras da escola com frequência.
7) Falta de empatia: usa de mentiras constantemente para justificar seu comportamento inapropriado.
8) Inabilidade social: possui pouco desenvolvidas as habilidades sociais, como a generosidade e a cooperação.
9) Visão negativa: tende a ser mais pessimista.
10) Deslocamento afetivo: tende a dar mais valor afetivo para os bens materiais ao invés das pessoas.
“É importante que os pais reflitam sobre a “herança educacional e emocional” que querem deixar para o filho. O mesmo amor que cuida, acalenta e protege, pode ser excessivo. E quando isso ocorre os pais ficam cegos, perdem o juízo crítico e acabam menosprezando os comportamentos errados dos filhos, banalizando os erros. Tais atitudes podem ser expressas em frases como: “ele é muito pequeno para aprender; quando ele for maior ele vai saber o que é correto; sabemos que não é certo deixar ele agir assim, mas é tão bonitinho”.”
É comum que pais confundam crianças mimadas com crianças hiperativas?
Sim. As crianças mimadas podem manifestar inquietação, resposta exacerbada aos estímulos e irritação quando seus caprichos não são atendidos, com isso os pais podem achar que a criança é hiperativa. O ideal é buscar auxílio tanto com o psicólogo quanto com o médico pediatra. Ambos poderão mensurar através de testes psicológicos, exames médicos e observação da dinâmica familiar e escolar se a criança possui TDAH ou se está faltando orientação para a família quanto aos limites realistas e a comunicação afetiva e assertiva.
Há pais que não percebem essas características de “imperador” nos próprios filhos. Essas crianças se tornarão adultos com quais características?
Quando os comportamentos disfuncionais (birra, mando, agressividade, desrespeito) não são reajustados na infância, ocorre uma consolidação dos padrões comportamentais e morais na adolescência, com isso os problemas vão aumentando. A criança que antes cuspia a comida nos pais, agora, na adolescência agride e desrespeita as normas sociais ou infringe a lei.
Quais efeitos desse filho “imperador” podem surgir nos pais?
O que observo na prática clínica são pais cansados, exaustos por não saberem como proceder diante dos gritos, provocações e infinitos surtos de birras. Esta exaustão emocional acaba atingindo o relacionamento conjugal. Os pais com medo de traumatizar emocionalmente a criança ou com o intuito de compensar a sua ausência, não dizem “não” para o filho quando o mesmo faz algo errado, tornando-se reféns emocionais. Com isso, os pais deixam de almoçar em restaurantes, ir ao shopping ou no parque, ou visitar os amigos por receio do comportamento do filho.
“Quando os pais forem orientar a criança é necessário ter em mente que a mensagem deve ser curta e objetiva, sem sermões! Deve-se observar as emoções da criança e verbalizar o que percebe (conexão emocional). É importante envolve-las na disciplina, ou seja, ter e manter uma rotina saudável. Os pais devem sempre ter em mente que primeiro a criança deve realizar os “deveres” e depois os ‘direitos'”.
Fonte: ViverBem
https://www.gazetadopovo.com.br/viver-bem/comportamento/descubra-se-seu-filho-tem-a-sindrome-do-imperador/